A Grande Aceleração e a Grande Travagem

No Taoismo cultiva-se a consciência da união do Homem com o Céu, numa perspectiva filosófica e existêncial, não religiosa. A intenção é reconhecer e escolher uma existência imparcial no Cosmos, obedecendo à ordem da Natureza, repudiando a acção deliberada e egoísta. O simples e o primordial são um desígnio fundamental. Os sistemas de passos têm origem nesta corrente académica e filosófica do Taoismo. Pretende-se integrar o cuidar do corpo com o cultivo da mente e do espírito. Assim, desenvolveram-se exercícios simples com efeitos terapêuticos poderosos, em harmonia com as doutrinas filosóficas. Sendo o intuito essencial o apurar da mente e do espírito, é interessante como a forma se expressa na integração harmoniosa das dimensões físicas, energéticas e espirituais da nossa existência.
Usamos inúmeras expressões para designar a sociedade em que hoje vivemos – sociedade do espectáculo, sociedade da informação, sociedade de risco – e a disignação sociedade da velocidade surge como uma expressão muito pertinente e reveladora. Paul Virilio, um pensador, urbanista e arquitecto francês, criou uma ciência extraordinária – a dromologia, inspirada no grego dromos que designa um recinto destinado à corrida – desenvolvendo teorias e propondo metodologias ousadas para reflectir sobre a velocidade e a aceleração tecnológica que caracteriza a nossa civilização. Começou a retirar conclusões quanto aos seus efeitos ecológicos, muito antes de estes se terem tornado evidentes e assunto de debate generalizado.
As suas reflexões apontam para algo de particular e subtil, dando relevo, não à poluição e contaminação do mundo, mas à poluição dos nossos sistemas de percepção. É um efeito de condicionamento que transforma a experiência perceptiva, em que o espaço é anulado e o tempo é abolido. A tirania da velocidade tem consequências em que “a aceleração do tempo nos impede de ver a diferença entre o verdadeira e o falso”; e “a aceleração do mundo põe em causa a percepção do mundo sensível e a empatia entre os seres humanos.”
A experiência extraordinária e brutal dos efeitos da pandemia Covid-19, pela desaceleração súbita da vida até à quase paragem, criou um efeito de contra-vertigem que nos afecta ao nível psicológico, emocional e físico. É desconcertante e paradoxal a experiência da aceleração de contágio, a par do desacelerar do contacto – vivemos uma imobilidade impotente enquanto decorre a corrida contra o tempo para encontrar a “salvação”. É um tempo que exige mais do que nunca, atenção, interrogação, crítica e criação de novos possíveis.
Como os mestres taoistas, que constataram a necessidade de uma prática que integrasse o corpo como lugar de experiência da mente e do espírito, precisamos de descobrir e inventar novas possibilidades de equilíbrio para sobreviver. Precisamos de redefinir como ocupamos o espaço e como preenchemos o tempo. Com o Corpo.
“A Arte e a Cultura introduzem distância e duração. Façamos das nossas vidas obras de arte.” Paul Virilio