O Tempo que passa

Há um exercício, que fazemos em aulas de improvisação em dança, cuja proposta é dançar livremente com movimentos rápidos, e parar quando acharmos que passou um minuto. Depois repetir o exercício, desta vez dançando com movimentos lentos, parando ao fim do que consideramos ser um minuto. Claro que estes minutos revelam ter durações muito diferentes. O tempo é relativo, como Einstein descobriu e nos demonstrou. É mesmo muito relativo. E a experiência do tempo no corpo é uma experiência física, emocional, intelectual e espiritual.

No mundo em que vivemos, a nossa experiência do tempo tem sido predominantemente acelerada, condensada e fragmentada. Contudo, esta aceleração e velocidade tem estado a ser questionada de uma forma iminentemente existencial e de sobrevivência, nossa e de tudo que nos rodeia. O verbo abrandar começa a ser aplicado nas várias dimensões da nossa realidade, de uma forma vital ligando a economia à ecologia. De referir, que estas duas palavras têm origem no grego oikos, que significa casa.

O corpo como casa ou residência das nossas dimensões mais subtis e espirituais é expressão comum na maioria das grandes tradições filosóficas e religiosas. Todas as práticas ancestrais desenvolvem treinos espirituais e físicos que incorporam a experiência essencial do tempo. As grandes transformações ou revoluções civilizacionais revelam-se também em mudanças nos nossos corpos. No sentido de potenciar uma transformação estrutural autentica, expressiva e vigorosa, uma prática de corpo consciente e profunda é um instrumento valioso e crucial. No entanto, as transformações para serem efetivas têm que ser sustentadas e alicerçadas. Precisamos de enraizar para transformar.

Zhan Zhuang Chi Kung ou Estar de Pé como uma Árvore é uma prática ancestral da China desenvolvida, eventualmente, por monges como uma forma de ancorar nos corpos o apuramento da mente e do espírito. Mais tarde, os guerreiros também passaram a treinar estar de pé em quietude, descobrindo que desta forma podiam cultivar força e velocidade poderosas. A qualidade de uma mente clara e focada sempre foi essencial tanto para monges como para guerreiros, e a prática de Estar de Pé como uma Árvore era uma ferramenta poderosa que propiciava esta excelência. Como uma árvore a crescer, o desenvolvimento de uma percepção de tempo, que alinha em serenidade e equilíbrio, faz parte da prática.

Nos clássicos de arte marciais afirma-se – a raiz está nos pés, estendendo-se pelas pernas, controlada pela cintura e com expressão nas mãos. É esta raiz que é imprescindível cuidar e fortalecer para que Estar de Pé como uma Árvore possa ser revelada como prática extraordinária que é.

A vida contemporânea e sedentária tem demasiadas atividades sentadas, que enfraquecem o corpo, nomeadamente as pernas. A maior parte dos desportos que se praticam enfatizam a utilização de camadas externas de músculos. Um dos benefícios da prática de Zhan Zhuang Chi Kung ou Estar de Pé como uma Árvore, consiste no trabalho ao nível da perna inferior, impulsionando o sangue venoso da Grande Circulação em direcção ao coração.

É por isso que se chama à perna inferior o ” segundo coração”, e neste treino dedica-se muito esforço e dedicação ao seu fortalecimento. O conceito é simples: o coração bombeia o sangue do centro para a periferia do corpo, cabeça, braços e pernas. Depois do sangue ter nutrido a cabeça e os braços, o regresso ao coração é auxiliado em grande parte pela gravidade. Mas o sangue que regressa dos pés e das pernas tem um trajeto mais desafiante, e o bater do coração não é suficiente para o trazer de volta através da veias, que não são tecidos musculares. É nesta circulação venal que os músculos inferiores das pernas têm uma função crucial. Quando nos movemos, os músculos espremem as veias impulsionando o sangue no seu percurso ascendente em direcção ao coração – este movimento de fluídos em direcção ascendente, contrariando a gravidade, corresponde ao poderoso movimento da água e nutrientes que são sugados pelas raízes, dentro da terra, para chegar ao tronco, ramos e folhas de toda a árvore.

Este trabalho de raíz começa com os pés. É nos pés que se determina e estabelece a qualidade de ligação à terra e a capacidade de energia impulsionadora do movimento. Na planta dos pés localiza-se um ponto de acupuntura fulcral, o início do meridiano do Rim chamado “Fonte Borbulhante”. O arco do pé eleva-se da terra a partir deste ponto, e é muito importante explorar esta área , e compreender a sua função vital no Estar de Pé como uma Árvore.

É na consciência e percepção da relação que se estabelece com a terra e a gravidade, ativando a “Fonte Borbulhante”que o treino de pé, em quietude, se torna profundamente transformativo, podendo-se  incluir na prática dimensões mais subtis, emocionais e espirituais. As grandes tradições cultivam formas de estar e de nos relacionarmos, connosco e com o que nos rodeia, abrindo o coração e expandindo o espírito, para evoluirmos e mudarmos. Saber esperar , ou cultivar a paciência, pode aparentar ser uma atitude desatualizada ou obsoleta – é uma característica emocional de experiência temporal – e é uma das sete virtudes essenciais. É uma emoção positiva que apazigua a raiva e a irritação perante as contrariedades ou afrontas, dando alento e ânimo para as ultrapassarmos. A paciência pode cultivar-se Estando de Pé como uma Árvore. Em filosofia utiliza-se o termo performatividade ( em inglês – performativity ): a forma como falamos afecta comportamentos, que por sua vez  dão origem a teorias e  modos de pensar. Cumprem-se assim as profecias, numa auto-realização através do corpo, do pensamento e do espírito.

Uma proposta de treino para o tempo que passa:

Chi Kung para o Coração

Na perspectiva da Teoria das Cinco Transformações ou Cinco Elementos, os tempos que vivemos definem-se por uma predominância da qualidade de energia Metal. Na natureza, o metal aparece nas profundidades da Terra e o seu movimento é de caracter contrativo, com um poder de apuramento, refinamento, concentração e foco. O cultivar da energia Metal significa apurar a clareza mental, o discernimento e a comunicação precisa, a expressão da verdade sem medo. 

Com o início da Revolução Industrial esta qualidade expressou-se no extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico, que impulsionou a humanidade por vias de exploração e expansão concretizadas nas máquinas criadas para cortar e perfurar a terra, nos caminhos de ferro e pontes admiráveis que criaram ligações inéditas, numa capacidade espantosa de criar elos de comunicação assombrosos.

Nas Cinco Transformações, as energias não são herméticas, como em tudo na natureza, há ciclos de  interdependência que geram relações de regulação, num movimento dinâmico de transformação e regeneração.

É uma observação, já banal, a de que vivemos um tempo de desequilíbrio, desarmonia e excesso. O excesso de Metal é inequívoco e evidente – mesmo que não se conheça a Teoria dos Cinco Elementos. Os desequilíbrios do nosso ecossistema macro atestam os distúrbios na respiração da Terra, com o excesso de poluição, e a dificuldade em eliminarmos os nossos excedentes com a acumulação de lixo.

O órgão associado a Metal é o Pulmão e a víscera o Intestino Grosso. São os órgãos que governam a relação do nosso interior com o exterior, através da respiração e a eliminação de excessos. 

Fogo é o elemento que regula ou modera Metal, sendo o órgão associado o Coração, e a víscera o Intestino Delgado. Tem se revelado para mim fundamental a demanda de uma qualidade mais subtil e sensível da energia Fogo, no empenho de moderar os efeitos de um Metal em desequilíbrio. 

O treino consiste em apurar a sensibilidade do Coração,”a Fonte Suprema”, investir na compaixão e na empatia, brotar em generosidade e ternura.

Aninhado, enrolado, no centro do ventre está o Intestino Delgado onde se aloja também o centro energético inferior, o Dan Tian. Na dimensão física, ele tem como função diferenciar e escolher o que é nutriente, eliminando o que é resíduo na alimentação que entra no corpo. Separa o que é útil, do que não é. 

Na dimensão emocional expressa-se como a “Janela Celestial”, que quando aberta deixa a luz entrar e elimina o que é tóxico, abrindo espaço para a felicidade.

Esta é uma proposta de treino dedicado ao Elemento Fogo – uma prática para o Coração .

ASMR

ASMR – este é um acrónimo para “ Autonomous Sensory Meridian Response ”, termo que se refere a uma sensação física caracterizada por uma sensação de formigueiro agradável, geralmente iniciada na cabeça e couro cabeludo, podendo percorrer também a coluna e pernas.

Também conhecido por AIHO ( Attention induced head orgasm), ou AIE (Attention induced euphoria), ou simplesmente orgasmo da cabeça e formigueiro da cabeça.

O objetivo de ASMR é simplesmente induzir um estado de relaxamento. Existe uma comunidade ASMR em expansão no Youtube com vídeos que envolvem uma variedade de atividades e sonoridades:

– sussurrar

– movimentos suaves de mãos

– movimentos e sons dos lábios

– unhas a bater ou arranhar superfícies duras

– sons de escovar

– e muitos mais sons, movimentos e objetos

Estes vídeos propõe-se induzir no observador um estado de relaxamento com um formigueiro na cabeça e/ou coluna. 

Este é o som, que gravei aqui em casa, e  que me induz o estado de relaxamento ASMR.

A vaca que olha a lua

Com este quarto movimento das Oito Peças de Brocado conclui-se a introdução a este sistema de Chi Kung terapêutico. Estes movimentos praticados cada um por si ou em sequencia permitem um trabalho do corpo que integra de uma forma equilibrada todos os sistemas e órgãos.