Na minha prática abordo amiúde o conceito de escuta, como constituinte de um treino de cuidado e atenção que se aplica ao Chi Kung e à vida.
Recentemente descobri Pauline Oliveros, uma compositora e acordeonista americana que no período do pós-guerra fez parte do movimento de música experimental e electrónica. O seu legado inclui o conceito de Escuta Profunda desenvolvido em resposta à violência e inquietação gerada pela guerra do Vietnam – uma prática em que o som seria usado para acalmar e pacificar o espírito. A Escuta Profunda é definida por Pauline como uma prática de escutar, de todas as formas possíveis, tudo o que se ouve, independentemente do que se está a fazer. Esta escuta intensa inclui os sons da vida diária, da natureza, sons musicais, e também escutar os pensamentos. Há uma distinção feita na definição do que é escutar, e ouvir. Ouvir é um processo físico que envolve a percepção. Escutar requer dar atenção do mesmo modo ao que é percepcionado acusticamente e psicologicamente.
A minha casa tem uma varanda virada para um campo e com várias árvores na sua proximidade. Uma oliveira e uma figueira estão muito próximas – os ramos quase a tocar na balaustrada da varanda. Se eu estiver sossegada é possível ter pássaros a muito pouca distância – a relação torna-se muito próxima.
Com a nossa percepção em modo de baixa resolução podemos começar por ter uma consciência generalizada da sua presença, percebemos que esta banda sonora está sempre presente, em todo o lado, todo o dia, sempre. Depois a percepção vai apurando e começamos a distinguir diferenças de timbres e melodias. Vamos aprendendo a reconhecer e a identificar as diferentes vozes.
Agora, com o meu treino de escuta e atenção, mentalmente vou assinalando: “olá, melro, chapim, toutinegra, pisco de peito ruivo, pintassilgo”, etc.
Esta é uma conexão com uma realidade direta e sensorial – só num contacto tangível com o céu e a terra podemos orientar-nos neste mundo de múltiplas dimensões que se apropriam de nós. Enraizar carece de solo autêntico – precisamos de nos conceder tempo, pausar para nos lembrarmos do que somos, quando somos, onde somos. O mistério do que é mais-do que-humano – reconhecer que somos porosos, somos animais, ouvimos, vemos e cheiramos um mundo que outros também ouvem, vêem e cheiram.
E quando se sente realizado, ou por assim dizer, quando atinge um estado de graça, o Homem desiste de fingir que é Deus. Isto é, não se sente obrigado a desenhar, a pintar, a descrever por palavras ou por música o que vê à sua volta. Deixa acontecer.
E só precisa de olhar em frente o mundo para descobrir que o ser humano é bem capaz de ser uma obra-prima.
Henry Miller – Stand still like a hummingbird – 1962
No Taoismo cultiva-se a consciência da união do Homem com o Céu, numa perspectiva filosófica e existêncial, não religiosa. A intenção é reconhecer e escolher uma existência imparcial no Cosmos, obedecendo à ordem da Natureza, repudiando a acção deliberada e egoísta. O simples e o primordial são um desígnio fundamental. Os sistemas de passos têm origem nesta corrente académica e filosófica do Taoismo. Pretende-se integrar o cuidar do corpo com o cultivo da mente e do espírito. Assim, desenvolveram-se exercícios simples com efeitos terapêuticos poderosos, em harmonia com as doutrinas filosóficas. Sendo o intuito essencial o apurar da mente e do espírito, é interessante como a forma se expressa na integração harmoniosa das dimensões físicas, energéticas e espirituais da nossa existência.
Usamos inúmeras expressões para designar a sociedade em que hoje vivemos – sociedade do espectáculo, sociedade da informação, sociedade de risco – e a disignação sociedade da velocidade surge como uma expressão muito pertinente e reveladora. Paul Virilio, um pensador, urbanista e arquitecto francês, criou uma ciência extraordinária – a dromologia, inspirada no grego dromos que designa um recinto destinado à corrida – desenvolvendo teorias e propondo metodologias ousadas para reflectir sobre a velocidade e a aceleração tecnológica que caracteriza a nossa civilização. Começou a retirar conclusões quanto aos seus efeitos ecológicos, muito antes de estes se terem tornado evidentes e assunto de debate generalizado.
As suas reflexões apontam para algo de particular e subtil, dando relevo, não à poluição e contaminação do mundo, mas à poluição dos nossos sistemas de percepção. É um efeito de condicionamentoque transforma a experiência perceptiva, em que o espaço é anulado e o tempo é abolido. A tirania da velocidade tem consequências em que “a aceleração do tempo nos impede de ver a diferença entre o verdadeira e o falso”; e “a aceleração do mundo põe em causa a percepção do mundo sensível e a empatia entre os seres humanos.”
A experiência extraordinária e brutal dos efeitos da pandemia Covid-19, pela desaceleração súbita da vida até à quase paragem, criou um efeito de contra-vertigem que nos afecta ao nível psicológico, emocional e físico. É desconcertante e paradoxal a experiência da aceleração de contágio, a par do desacelerar do contacto – vivemos uma imobilidade impotente enquanto decorre a corrida contra o tempo para encontrar a “salvação”. É um tempo que exige mais do que nunca, atenção, interrogação, crítica e criação de novos possíveis.
Como os mestres taoistas, que constataram a necessidade de uma prática que integrasse o corpo como lugar de experiência da mente e do espírito, precisamos de descobrir e inventar novas possibilidades de equilíbrio para sobreviver. Precisamos de redefinir como ocupamos o espaço e como preenchemos o tempo. Com o Corpo.
“A Arte e a Cultura introduzem distância e duração. Façamos das nossas vidas obras de arte.” Paul Virilio
Persistir e perseverar no aprofundar da consciência das Cinco Transformações na prática de um movimento integral e inteligente. Neste final de verão incomum, notar o desejo de abrandar e centrar, convergir e focar – a Terra a gerar Metal.
Início do 1º trimestre – 1 de Setembro ( 3ª feira )
2ª feira 09.00 – 10-15 – Treino do Xin Yi Nei Gong
3ª feira 19.00 – 20.15 – Treino de Quietude
5ª feira 19.00 – 20.15 – Treino das Oito Peças de Brocado
Há um exercício, que fazemos em aulas de improvisação em dança, cuja proposta é dançar livremente com movimentos rápidos, e parar quando acharmos que passou um minuto. Depois repetir o exercício, desta vez dançando com movimentos lentos, parando ao fim do que consideramos ser um minuto. Claro que estes minutos revelam ter durações muito diferentes. O tempo é relativo, como Einstein descobriu e nos demonstrou. É mesmo muito relativo. E a experiência do tempo no corpo é uma experiência física, emocional, intelectual e espiritual.
No mundo em que vivemos, a nossa experiência do tempo tem sido predominantemente acelerada, condensada e fragmentada. Contudo, esta aceleração e velocidade tem estado a ser questionada de uma forma iminentemente existencial e de sobrevivência, nossa e de tudo que nos rodeia. O verbo abrandar começa a ser aplicado nas várias dimensões da nossa realidade, de uma forma vital ligando a economia à ecologia. De referir, que estas duas palavras têm origem no grego oikos, que significa casa.
O corpo como casa ou residência das nossas dimensões mais subtis e espirituais é expressão comum na maioria das grandes tradições filosóficas e religiosas. Todas as práticas ancestrais desenvolvem treinos espirituais e físicos que incorporam a experiência essencial do tempo. As grandes transformações ou revoluções civilizacionais revelam-se também em mudanças nos nossos corpos. No sentido de potenciar uma transformação estrutural autentica, expressiva e vigorosa, uma prática de corpo consciente e profunda é um instrumento valioso e crucial. No entanto, as transformações para serem efetivas têm que ser sustentadas e alicerçadas. Precisamos de enraizar para transformar.
Zhan Zhuang Chi Kung ou Estar de Pé como uma Árvore é uma prática ancestral da China desenvolvida, eventualmente, por monges como uma forma de ancorar nos corpos o apuramento da mente e do espírito. Mais tarde, os guerreiros também passaram a treinar estar de pé em quietude, descobrindo que desta forma podiam cultivar força e velocidade poderosas. A qualidade de uma mente clara e focada sempre foi essencial tanto para monges como para guerreiros, e a prática de Estar de Pé como uma Árvore era uma ferramenta poderosa que propiciava esta excelência. Como uma árvore a crescer, o desenvolvimento de uma percepção de tempo, que alinha em serenidade e equilíbrio, faz parte da prática.
Nos clássicos de arte marciais afirma-se – a raiz está nos pés, estendendo-se pelas pernas, controlada pela cintura e com expressão nas mãos. É esta raiz que é imprescindível cuidar e fortalecer para que Estar de Pé como uma Árvore possa ser revelada como prática extraordinária que é.
A vida contemporânea e sedentária tem demasiadas atividades sentadas, que enfraquecem o corpo, nomeadamente as pernas. A maior parte dos desportos que se praticam enfatizam a utilização de camadas externas de músculos. Um dos benefícios da prática de Zhan Zhuang Chi Kung ou Estar de Pé como uma Árvore, consiste no trabalho ao nível da perna inferior, impulsionando o sangue venoso da Grande Circulação em direcção ao coração.
É por isso que se chama à perna inferior o ” segundo coração”, e neste treino dedica-se muito esforço e dedicação ao seu fortalecimento. O conceito é simples: o coração bombeia o sangue do centro para a periferia do corpo, cabeça, braços e pernas. Depois do sangue ter nutrido a cabeça e os braços, o regresso ao coração é auxiliado em grande parte pela gravidade. Mas o sangue que regressa dos pés e das pernas tem um trajeto mais desafiante, e o bater do coração não é suficiente para o trazer de volta através da veias, que não são tecidos musculares. É nesta circulação venal que os músculos inferiores das pernas têm uma função crucial. Quando nos movemos, os músculos espremem as veias impulsionando o sangue no seu percurso ascendente em direcção ao coração – este movimento de fluídos em direcção ascendente, contrariando a gravidade, corresponde ao poderoso movimento da água e nutrientes que são sugados pelas raízes, dentro da terra, para chegar ao tronco, ramos e folhas de toda a árvore.
Este trabalho de raíz começa com os pés. É nos pés que se determina e estabelece a qualidade de ligação à terra e a capacidade de energia impulsionadora do movimento. Na planta dos pés localiza-se um ponto de acupuntura fulcral, o início do meridiano do Rim chamado “Fonte Borbulhante”. O arco do pé eleva-se da terra a partir deste ponto, e é muito importante explorar esta área , e compreender a sua função vital no Estar de Pé como uma Árvore.
É na consciência e percepção da relação que se estabelece com a terra e a gravidade, ativando a “Fonte Borbulhante”que o treino de pé, em quietude, se torna profundamente transformativo, podendo-se incluir na prática dimensões mais subtis, emocionais e espirituais. As grandes tradições cultivam formas de estar e de nos relacionarmos, connosco e com o que nos rodeia, abrindo o coração e expandindo o espírito, para evoluirmos e mudarmos. Saber esperar , ou cultivar a paciência, pode aparentar ser uma atitude desatualizada ou obsoleta – é uma característica emocional de experiência temporal – e é uma das sete virtudes essenciais. É uma emoção positiva que apazigua a raiva e a irritação perante as contrariedades ou afrontas, dando alento e ânimo para as ultrapassarmos. A paciência pode cultivar-se Estando de Pé como uma Árvore. Em filosofia utiliza-se o termo performatividade ( em inglês – performativity ): a forma como falamos afecta comportamentos, que por sua vez dão origem a teorias e modos de pensar. Cumprem-se assim as profecias, numa auto-realização através do corpo, do pensamento e do espírito.
Na perspectiva da Teoria das Cinco Transformações ou Cinco Elementos, os tempos que vivemos definem-se por uma predominância da qualidade de energia Metal. Na natureza, o metal aparece nas profundidades da Terra e o seu movimento é de caracter contrativo, com um poder de apuramento, refinamento, concentração e foco. O cultivar da energia Metal significa apurar a clareza mental, o discernimento e a comunicação precisa, a expressão da verdade sem medo.
Com o início da Revolução Industrial esta qualidade expressou-se no extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico, que impulsionou a humanidade por vias de exploração e expansão concretizadas nas máquinas criadas para cortar e perfurar a terra, nos caminhos de ferro e pontes admiráveis que criaram ligações inéditas, numa capacidade espantosa de criar elos de comunicação assombrosos.
Nas Cinco Transformações, as energias não são herméticas, como em tudo na natureza, há ciclos de interdependência que geram relações de regulação, num movimento dinâmico de transformação e regeneração.
É uma observação, já banal, a de que vivemos um tempo de desequilíbrio, desarmonia e excesso. O excesso de Metal é inequívoco e evidente – mesmo que não se conheça a Teoria dos Cinco Elementos. Os desequilíbrios do nosso ecossistema macro atestam os distúrbios na respiração da Terra, com o excesso de poluição, e a dificuldade em eliminarmos os nossos excedentes com a acumulação de lixo.
O órgão associado a Metal é o Pulmão e a víscera o Intestino Grosso. São os órgãos que governam a relação do nosso interior com o exterior, através da respiração e a eliminação de excessos.
Fogo é o elemento que regula ou modera Metal, sendo o órgão associado o Coração, e a víscera o Intestino Delgado. Tem se revelado para mim fundamental a demanda de uma qualidade mais subtil e sensível da energia Fogo, no empenho de moderar os efeitos de um Metal em desequilíbrio.
O treino consiste em apurar a sensibilidade do Coração,”a Fonte Suprema”, investir na compaixão e na empatia, brotar em generosidade e ternura.
Aninhado, enrolado, no centro do ventre está o Intestino Delgado onde se aloja também o centro energético inferior, o Dan Tian. Na dimensão física, ele tem como função diferenciar e escolher o que é nutriente, eliminando o que é resíduo na alimentação que entra no corpo. Separa o que é útil, do que não é.
Na dimensão emocional expressa-se como a “Janela Celestial”, que quando aberta deixa a luz entrar e elimina o que é tóxico, abrindo espaço para a felicidade.
Esta é uma proposta de treino dedicado ao Elemento Fogo – uma prática para o Coração .
Recentemente comprei um carro elétrico. Neste texto não pretendo desenvolver ou opinar sobre as vantagens e desvantagens do carro elétrico no que concerna a opções ecológicas de transporte. Interessa-me explorar como pode ser transformadora e inspiradora a prática de conduzir um carro eléctrico.
Tenho um carro da gama mais baixa do mercado o que quer dizer que tem uma autonomia bastante limitada, cerca de 170km. No entanto, esta é uma autonomia aproximada que depende totalmente do tipo de condução. Se usarmos uma condução desportiva e acelerada esta autonomia reduz drasticamente, o que implica ter que carregar a bateria mais vezes ou correr o risco de ficar algures sem bateria. Para usufruir da economia que um veículo elétrico pode oferecer temos que ter disciplina e ser comedidos. O ser comedido é bastante literal, especialmente no início. Planeio com bastante rigor e faço contas ao trajecto para ver se vou precisar de carregar a bateria durante a viagem. Viajo com medida. Tenho que calcular e pensar. Isto é transformador no sentido em que faço escolhas e tomo decisões sobre como gerir o gasto de energia nas minhas deslocações. Quando se programa um treino físico também se faz isso, logo isto é algo que me é familiar, e tem sido muito interessante aplicar este conhecimento na relação com a condução de um veículo elétrico.
Há outro aspecto muito significativo. O veículo elétrico tem um sistema que se chama travagem regenerativa, a qual se traduz na conversão em energia, que serve para carregar a bateria, de cada vez que o condutor trava ou alivia o acelerador. Aliviar o acelerador e travar, carrega a bateria. Há para mim algo de verdadeiramente revolucionário neste conceito: abrandar e travar para ir mais longe! Aceitando condições em que nos estabelecemos limites e refreamos impulsos desnecessários começamos a agir subtilmente sobre o nosso sistema nervoso com efeitos ao nível emocional, psicológico e físico. Na rotina diária pode estar o potencial de transformação que muda a perspectiva e a forma como decidimos o que precisamos. Isto pode abranger as dimensões pessoais, familiares, sociais, políticas, económicas e culturais.
O movimento Occupy Wall Street continha em si uma proposta revolucionária com um espírito similar. A ideia fundamental era iniciar uma grande travagem para podermos planear como prosseguir. Travar era essencial, e pensar também o era. Nestes tempos de urgência pensar é necessário. Passámos o último século a mudar o mundo a uma velocidade vertiginosa. Temos que parar, olhar para trás e reflectir. Continuamos a ter o impulso de reagir e agir. Precisamos mais de abrandar e parar.
Há alguns anos orientei uma aluna de dança num exercício de composição que ía ser apresentado como prova final da disciplina no último ano de formação na Escola de Dança do Conservatório Nacional. A tensão e o nervosismo era o habitual num contexto de trabalhoem que o corpo é sujeito a uma rotina exigente e rigorosa, e em que o stress acaba por ser parte integrante do processo de trabalho.
Ela lesionou-se gravemente num pé poucas semanas antes da apresentação do exercício. Não estar presente na apresentação final era inaceitável para ela. Sugeri então que fizesse o seu trabalho numa cadeira, integrando de forma autêntica a informação que esta situação lhe oferecia. O seu trabalho transfigurou-se e surgiu uma capacidade de escuta, de seguir impulsos subtis do corpo, uma profundidade e sensibilidade que anteriormente não estavam presentes.Este abrandar forçado permitiu-lhe encontrar o movimento.
As urtigas são uma “praga” maravilhosamente nutritiva e uma das plantas mais versáteis e fáceis de consumir…tendo o devido cuidado para as colher e preparar…porque são muito irritantes para a pele devido a um ácido presente na folha.
Quando cozinhadas ou secas deixam de ter esta propriedade e pode-se consumir com segurança, no vapor, salteadas ou cozinhadas. Faz-se um chá fabuloso com as folhas, adoçando com mel e limão.
As urtigas estão pejadas de nutrientes – vitamina C e A, cálcio, magnésio, potássio e são ainda uma fantástica fonte proteica. A sério! E agora estão mesmo tenrinhas!